Por Bianca Portinho
É inegável que a pandemia de coronavírus, com origem na cidade de Wuhan, província de Hubei, China, afetou a vida de todos nós, seja em nossas relações pessoais ou contratuais. De fato, o mundo não estava preparado para esse vírus, que já fez mais de 234 mil vítimas fatais e promete uma das piores crises no mercado econômico global, com retração do PIB das grandes economias, recuo do comércio global, queda da Bolsa de Valores e avanço do desemprego.
Medidas de distanciamento social foram adotadas na tentativa de frear a disseminação da doença, dentre elas: o apelo para que as pessoas evitassem sair de suas casas, a imposição de fechamento do comércio, o estabelecimento de protocolos rigorosos para os serviços essenciais em funcionamento, fechamento das fronteiras e cancelamento de inúmeros contratos.
Nesse cenário de incertezas, como ficam os contratos firmados antes da pandemia? Enquanto instrumentos aptos a conferir segurança jurídica às relações sociais, ante a imposição de cumprimento das obrigações neles estabelecidas (pacta sunt servanda), os contratos precisam ser honrados. Todavia, o surgimento de evento posterior imprevisível que gere onerosidade excessiva permite a revisão do contrato para restabelecimento de seu equilíbrio, já que o contrato apenas mantém as suas condições enquanto as coisas permanecerem do mesmo modo (rebus sic stantibus).
A bem da verdade, os impactos da pandemia repercutem inclusive na esfera jurídica e suscitam questionamentos acerca da responsabilidade civil consumerista. Embora o Código de Defesa do Consumidor apenas afaste a responsabilidade do fornecedor se, a) prestado o serviço, o defeito inexistir (art. 14, §3º, inciso I, do CDC), ou b) restar comprovada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, §3º, inciso II, do CDC), a doutrina mais atualizada contempla a ocorrência de caso fortuito ou força maior (art. 393 do CC) como excludentes do dever de reparar.
Nesse caso, o coronavírus (Covid-19) enquadra-se como caso fortuito externo (imprevisível) ou força maior externa (irresistível/inevitável), porquanto circunstância alheia à atividade e à esfera de vigilância do fornecedor, que tornou impossível o cumprimento de diversas obrigações, mas não enseja o dever de indenizar.
Entretanto, é possível a revisão dos contratos por fato superveniente, isto é, não existente quando da contratação original, com fundamento na vedação da onerosidade excessiva a uma das partes (art. 6º, inciso V, do CDC), mormente se vulnerável (art. 4º, inciso I, do CDC), e do enriquecimento sem causa, sendo irrelevante a sua imprevisibilidade ou irreversibilidade (Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico).
Com efeito, a situação atual permite a resolução de contratos com a restituição de valores eventualmente pagos, já que inúmeros serviços contratados não puderam ser prestados. No entanto, para além de nosso próprio umbigo, é necessário bom senso e solidariedade, fomentando-se uma solução coletiva, em que todos saiam ganhando, afinal a pandemia não poupou ninguém.
A sugestão é que ao invés de solicitar a interrupção dos contratos, com exigência de devolução de valores, os consumidores aceitem, se possível, a remarcação de compromissos (realocação em voos; novas datas para usufruir de pacotes turísticos, participação em eventos e shows, reposição de aulas etc.), sem taxa adicional, com opção ainda de negociação de prazos, valores e/ou suspensão temporária do contrato.
O momento pede cautela, diálogo e cooperação para que a cadeia de produção e consumo não seja irreparavelmente comprometida, o que geraria verdadeiro colapso econômico. É preciso preservar, sobretudo, as pequenas e médias empresas para que os serviços continuem sendo prestados e as relações contratuais mantidas.
Referências
CAPEZ, Fernando. Coronavírus: efeitos jurídicos nas relações de consumo. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-28/capez-efeitos-juridicos-coronavirus-relacoes-consumo>. Acesso em: 01 de maio de 2020.
GRAÇA, Victor; SENTO, Larissa. O impacto da Covid-19 na responsabilidade civil das relações de consumo Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-12/graca-sento-impacto-covid-19-relacoes-consumo>. Acesso em: 01 de maio de 2020.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2016.
Entenda os impactos da pandemia de coronavírus nas economias global e brasileira. Disponível em:
<https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/26/entenda-os-impactos-do-avanco-do-coronavirus-na-economia-global-e-brasileira.ghtml>. Acesso em: 01 de maio de 2020.
Bianca Portinho Lopes Monteiro é advogada do Malini Rocha Advogados, Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Damásio Educacional.