Por Wesley Louzada
Recentemente foi noticiado que a Prefeitura Municipal de Salvador baixou normas acerca da regulamentação do trabalho das baianas do acarajé, personagem típico das ruas de Salvador. De acordo com a regulamentação, deverão utilizar-se, obrigatoriamente, das vestimentas brancas tradicionais.
Qual a novidade ou o problema, então, se a obrigatoriedade guarda a tradição? Ocorre que a mesma matéria noticiosa dava conta da preocupação de muitas mulheres que se converteram ao evangelho, depois de professarem o candomblé, e, conhecedoras que são de toda a simbologia dos cultos afro brasileiros, se recusavam a utilizar a vestimenta tradicional, algumas, inclusive, dispostas a abandonar sua única fonte de renda em nome de não macular sua fé cristã.
A questão parece banal, mas envolve questões jurídicas de alta indagação, acerca da possibilidade de intervenção do Estado nas manifestações religiosas e do resguardo da laicidade. O Estado no Brasil é laico, devendo manter-se equidistante de todas as religiões, respeitando, sempre, o direito à livre manifestação de pensamento e a liberdade de culto.
Ora, a questão é se é possível atrelar o exercício de uma profissão à utilização de vestimentas de sentido religioso. Não estaria o estado privilegiando uma religião em detrimento de outras?
Esta é uma das questões mais complexas postas em debate em nossa sociedade. Parece-nos que há uma certa má vontade com o exercício do cristianismo, em detrimento de outras religiões ou do pensamento daqueles que se manifestam ateus ou agnósticos.
Em tempos recentes, vimos ações patrocinadas pelo Ministério Público Federal para retirar crucifixos de Tribunais e para retirar a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de reais (a expressão aparece tão pequena que talvez você nunca tenha percebido). Sendo o Brasil um país de maioria cristã, não parece exagerada a manutenção destas práticas, nem parece ofender a liberdade religiosa de outros credos.
No caso sob análise, parece-nos que o Estado intervém de forma desmedida, em benefício de uma religião, ao condicionar o exercício da profissão ao uso de roupas com simbologia religiosa. Em sendo o acarajé um patrimônio imaterial, parece-nos que o que deve ser preservada é sua receita, não a forma como é servido, ainda que o mesmo tenha origem africana.
A reflexão envolve a liberdade de religião e deve estar presente sempre em nossas reflexões. Não podemos aceitar restrições à liberdade religiosa, tão duramente conquistada. Por outro lado, não devemos nos privilegiar de maiorias ocasionais – o papel da Constituição Federal é proteger as minorias contra abusos da maioria – para restringir a liberdade religiosa de outras crenças.
Grande exemplo foi dado recentemente pelo Pastor João Luiz de Sá Melo, quando suspendeu a escola dominical da Igreja Batista de Vila da Penha, Rio de Janeiro, e foi para a praça pública, com centenas de batistas, para defender a liberdade de manifestação religiosa de membros do candomblé, após a covarde agressão sofrida por uma menina, apedrejada por supostos “evangélicos”.
Cabe ao Estado preservar a liberdade religiosa sob todos os aspectos, evitando que se instaure um regime de terror, tanto contra as minorias, como, também e paradoxalmente, contra a maioria cristã. Devemos refletir mais sobre o tema, eis que o contexto atual gera graves riscos, devido a extremismos envolvidos no debate.
Wesley Louzada é Advogado, professor da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim.