Por Vagner de Souza
Após um longo e desgastante período de trabalho, a Comissão interna eleita para realização do trabalho relativo à reforma dos documentos constitutivos e organizacionais de nossa Igreja está prestes a concluir sua tarefa, para, assim, poder apresentá-lo a nossos órgãos diretivos para análise e, por fim, à Assembleia da Igreja para a devida aprovação e entrada em vigor.
Tais documentos referem-se ao nosso Estatuto, ao Regimento Interno e ao Manual de Funções Eclesiásticas, que não apenas garantem nosso funcionamento de forma legal e organizada no âmbito da sociedade, como também nos fornecem diretrizes para o funcionamento desse corpo vivo que é a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.
É certo que as questões de cunho ético e moral são tratadas pela Bíblia Sagrada, que é nossa única regra de fé e prática. Entretanto, será através do arcabouço teórico formado por esses 03 (três) documentos que conseguiremos executar aquilo que temos entendido como adequado para o exercício de nossa prática cristã nesse tempo.
Aliás, já há bastante tempo não era realizada tal reforma, o que não é recomendável, visto que, com a velocidade das transformações pelas quais passa nossa sociedade e, consequentemente, as Igrejas em geral, é recomendável que essa revisão seja feita com regularidade, de modo a evitar ter uma estrutura fática totalmente dissonante daquela prevista no ordenamento jurídico, deixando a Igreja sujeita a graves problemas administrativos e, porque não dizer, até mesmo espirituais.
Isso porque, quanto maior for o nível de organização administrativa da Igreja e previsão do funcionamento de seus organismos internos, menor será a possibilidade da ocorrência de casuísmos e de decisões que não atendam aos verdadeiros interesses cristãos que queremos defender.
Não se trata, pois, de burocracia desnecessária, mas sim de dotar a Igreja de documentação hábil a garantir a serenidade necessária para o enfrentamento das inúmeras questões, nem sempre de fácil resolução, que surgem em seu dia a dia.
Assim é que, todas as Igrejas devem zelar pela regularidade de sua documentação, de maneira a evitar o desperdício de energia no trato de questões de ordem administrativa, poupando-a para o verdadeiro embate que enfrentamos nesse mundo, pois “a nossa luta não é contra a carne ou o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais” (Ef. 6.12).
Por fim, para melhor compreensão da presente questão, gostaria de concluir este texto realizando a transcrição, mediante solicitação, de brilhante artigo publicado no site http://www.institutojetro.com/, da lavra do Dr. Odilon Marques Pereira, que discorre com clareza e objetividade sobre o tema em apreço, corroborando a ideia acima defendida quanto à importância de tal matéria para o bom funcionamento das Igrejas em geral. Veja-se:
Estatuto E REGIMENTO INTERNO DA IGREJA
O Estatuto é o documento formal da Igreja e por isso parece-nos um tanto basilar falar deste assunto, mas ainda hoje, Igrejas tem tido inúmeros problemas legais devido a falta deste documento ou por ele não corresponder à realidade, não refletindo a real essência da instituição, sua forma de manifestação e atuação, seus princípios e sua ‘confissão de fé'.
Para um maior esclarecimento sobre este tema é que entrevistamos Dr. Odilon Marques Pereira, graduado em Teologia e Direito, especialista em Direito e Processo Civil e Direito Tributário pelo IBET. Dr. Odilon é advogado em Londrina/PR, onde é Presbítero da Igreja Presbiteriana Independente. Autor do livro "O Novo Código Civil e a as Igrejas - Impacto e Implicações”.
O que é um Estatuto, qual a sua finalidade e quais os benefícios em tê-lo?
Odilon - Estatuto é o documento formal que devidamente registrado determina o começo da existência legal das organizações religiosas e instituições em geral, possibilitando às igrejas a proteção constitucional da liberdade de crença e culto e, de igual forma às instituições filantrópicas, que usufruam da imunidade tributária. Através do Estatuto a natureza jurídica das instituições é revelada, mormente se organização religiosa, filantrópica ou empresarial, retratando a forma de governo e organização.
Há vários modelos de Estatutos, principalmente na internet, quais os cuidados que o pastor e sua liderança devem ter na seleção de um destes modelos para a sua Igreja?
Odilon - Exatamente por expressar forma de governo e organização das instituições que os Estatutos devem ser lapidados considerando as particularidades, o governo (representativo, congregacional, episcopal, etc.) e a respectiva confissão de fé das igrejas; a simples utilização de um modelo ‘pronto' de Estatuto pode acarretar grave incongruência entre este documento de constituição formal da instituição e a realidade fática evidenciada, podendo redundar em situações de irregularidade e/ou nulidade dos atos de administração e governo por inobservância das formas.
Quais os itens que devem constar no Estatuto? Há algum item que não pode faltar?
Odilon - A lei civil determina que os Estatutos e respectivo registro informem a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração; o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; e as condições de extinção da instituição e o destino do seu patrimônio, nesse caso. Importante observação, quanto às organizações religiosas, é para que não deixem de inserir no Estatuto sua respectiva confissão de fé, para que sempre possam comprovar que seus posicionamentos e/ou considerações não se direcionam a este ou aquele caso específico (ex. discriminação), mas decorrem de seus documentos de fé, no que restam abrigados pela garantia constitucional de crença e culto.
O que é um regimento interno e qual a sua finalidade?
Odilon - Regimento interno, como o próprio nome aponta, é um documento válido ‘da porta para dentro'; sua finalidade precípua é a organização interna e a rotina diária da instituição na busca do cumprimento de suas finalidades, especificando seu organograma, a competência dos administradores e prepostos, bem como dividindo funções e tarefas.
Quais os itens que devem constar nele?
Odilon - A lei não determina estrutura mínima do Regimento Interno e não estabelece quais os itens que devam obrigatoriamente contemplar; assim, seu teor deverá suprir as necessidades de organização e gestão das respectivas instituições, devendo ser sucinto, objetivo e de fácil compreensão.
O Estatuto e o Regimento interno podem ser alterados? Quando isso deve ser feito e como?
Odilon - O Estatuto e o Regimento Interno podem e devem ser alterados sempre que não atendam ou não correspondam aos anseios e à realidade fática da instituição; exatamente por serem documentos de organização e existência legal das instituições, devem ser constantemente adequados para que reflitam a real essência da instituição e sua forma de manifestação e atuação. A competência para alteração do Estatuto é sempre da Assembleia Geral em reunião específica e com quórum diferenciado; já o Regimento Interno poderá ser alterado pela Assembleia Geral ou pela diretoria da instituição, conforme dispuser o Estatuto; ressalva-se, todavia, que por deliberação dos fundadores ou da própria Assembleia Geral o Estatuto pode conter cláusulas que não sejam passíveis de alteração, exatamente para manter princípios inegociáveis ou que caracterizam a razão premente da instituição ou igreja.
Quais os conselhos para pastores e líderes quanto aos estatutos e regimentos de suas igrejas?
Odilon - Enquanto nossa Constituição Federal garantir liberdade de crença e culto, o documento que possibilita a comprovação dos preceitos de fé e o exercício dessa liberdade religiosa, evitando qualquer ingerência e/ou exigência do Estado ou de terceiros, é o Estatuto das igrejas / organizações religiosas que, integrando suas finalidades, deve expressar de forma clara seus princípios e sua ‘confissão de fé'; portanto, o Estatuto não deve ser omisso quanto aos preceitos de fé e princípios defendidos pela instituição, sendo que aqueles que não os apontam com clareza devem ser reformados para que insiram em seu texto ou apontem o documento que contém as questões defendidas de ‘crença e culto'.
Vagner Antônio de Souza é advogado, Procurador Municipal, 1º Vice-Presidente da Primeira Igreja Batista de Cachoeiro de Itapemirim e seminarista do 2º ano do curso de Teologia do CETEBES – Centro de Educação Teológica Batista do Estado do Espirito Santo.