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Ama Teu Preso Como a Ti Mesmo

Por Vagner de Souza

 

 

Apesar de todos os votos de felicidade e sucesso enviados no final de 2016, e da certeza de que diversos deles irão, de fato, se realizar, uma vez que muitas coisas boas ainda acontecem e Deus tem cuidado de nós e nos abençoado poderosamente, como era de se esperar, 2017 já chegou trazendo consigo as mazelas e sofrimentos inerentes a esse mundo mal em que vivemos.

 

Já tivemos atentados, enchentes, arrastões, crise financeira em diversos Estados brasileiros, enfim, um rosário de maldades que nos fazem perceber que, na verdade, nossa luta continua ensandecida.

 

Mas, sem sombra de dúvidas, o que mais chamou a atenção do Brasil nesse início de ano foram os massacres e rebeliões ocorridos em diversas prisões do país, com mais de uma centena de pessoas barbaramente assassinadas.

 

Independentemente da discussão em torno dos possíveis motivos que podem ter ocasionado tais fatos, gostaria de pensar um pouco sobre esses casos pela ótica legal e espiritual, visto que, como cristãos, nunca podemos negligenciar os valores contidos nestas áreas em especial.

 

Inicialmente, não há como não dizer que vi com muita tristeza proliferarem comentários que não apenas apoiavam a violência cometida nessas situações (muitos de pessoas ditas cristãs), como também condenavam a responsabilização do Estado pelas muitas mortes ocorridas, demonstrando entenderem que cada um dos mortos mereceu realmente o sofrimento que lhes foi infligido.

 

Tais comentários, além de ignorarem pressupostos básicos da vida em sociedade, ofendem frontalmente o maior de todos os princípios bíblicos que recebemos para nortear nossas vidas: o amor a Deus e ao próximo.

 

Analisando-se o caso apenas por seu ângulo legal, já se pode afirmar ser lamentável o posicionamento daqueles que assim tem se manifestado.

 

Ora, é de conhecimento comum ter o Estado chamado para si a responsabilidade de dizer e impor o direito nas sociedades modernas, de maneira a tentar ordenar a vida em coletividade e garantir o respeito a inúmeros direitos que, num passado mais distante (pelo menos para alguns), sempre foram negados ou entregues aos homens de forma absolutamente discricionária.

 

Assim, com o decorrer do tempo e o desenvolvimento da humanidade, foram surgindo leis que passaram a proteger a propriedade privada, a intimidade, o direito de culto, a dignidade humana, dentre outros direitos fundamentais do homem e, naquilo que respeita ao nosso tema, ao devido processo legal e o cumprimento de pena que retribua de maneira civilizada e proporcional o delito cometido pelo infrator.

 

Na verdade, a história humana não pode ser desvinculada do direito penal, pois desde o princípio o crime vem acontecendo. Era necessário um ordenamento coercitivo que garantisse paz e tranquilidade para a convivência harmoniosa nas sociedades.

 

Isso porque, antes quando ocorria um crime a reação a ele era imediata por parte da própria vitima, por seus familiares ou por sua tribo. Comumente esta reação era superior à agressão, visto que não havia qualquer ideia de proporcionalidade.

 

Segundo Erich Fromm, renomado psicanalista alemão, em sua obra “Anatomia de destrutividade humana”, tal atitude era “um dever sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se um de seus companheiros tiver sido morto”.

 

Assim, tal tempo foi um período marcado por lutas acirradas entre famílias e tribos, acarretando um enfraquecimento e até a extinção das mesmas, pelo que constatou-se a necessidade do surgimento de regras para evitar o aniquilamento total da sociedade.

 

Entretanto, o Iluminismo (e já estamos falando em século XVIII) propiciou a conscientização de uma visão ética sobre o homem e o tratamento que a ele deveria ser dado. Surgiu, juntamente com a Teoria do Contrato Social, o “Período Humanitário” que, num gesto eloquente de revolta contra a iniquidade, desafiou os poderosos, em um tempo de absolutismo, de soberania de origem divina, de confusão das normas penais com religião, moral e superstições.

 

Dessa maneira, entender como normal o tratamento desumano que é dado aos presos de nosso tempo é negar todo o avanço que já obtivemos, voltando mais de 300 anos, num tempo em que as garantias individuais eram praticamente nulas.

 

Quem fala isso deve estar disposto a suportar os outros ônus decorrentes de uma vida vivida naquele contexto, no qual o indivíduo não era absolutamente ninguém.

 

É óbvio que não estou defendendo “boa vida para bandido” como alguns gostam de se referir quando falam disso, muito pelo contrário, acho que eles tem que pagar pelo que fizeram, inclusive trabalhando para se sustentarem e ressarcirem à sociedade pelo gasto que esta tem com sua reclusão. Entretanto, não podemos permitir que a eventual maldade que eles tenham cometido obscureça nossa visão a ponto de desejarmos que eles sejam tratados sem respeito à dignidade humana que possuem.

 

Até porque, não é preciso esforço para se constatar que estamos falando de pessoas pobres, que já nasceram sem acesso a coisas básicas como uma boa escola, uma moradia digna, espaços de lazer, etc...

 

É claro que existem muitos que também não tiveram acesso a isso e nem por isso se tornaram bandidos, blá, blá, blá, mas também é inegável a péssima distribuição de renda de nosso país e os reflexos que esse mal nos traz. Não é disso que eu quero tratar.

 

O fato é que nunca seremos uma sociedade digna e justa se negligenciarmos os direitos das pessoas, sejam elas quem forem. Já custamos muito a chegar até aqui, não podemos retroceder.

 

O outro ângulo que gostaria de destacar dessa questão é seu aspecto espiritual.

 

Ora, é inconcebível que alguém que professa Cristo como seu Salvador e Senhor possa defender o sofrimento e a morte de qualquer pessoa, por “pior” que ela seja, por mais crimes que ela já tenha praticado.

 

A Bíblia é repleta de ensinamentos a respeito do amor e cuidado com as pessoas, essas inclusive, não se justificando postura diferente daqueles que se dizem cristãos. Afinal de contas, vamos desejar o mal de alguém por quem Jesus morreu?

 

Não se trata de sermos inocentes ou indiferentes ao mal que aqueles que estão presos fizeram a alguém e a toda a sociedade, mas sim de escolhermos amar também aquelas pessoas, por piores que elas possam ser.

 

Jesus, no Evangelho de Mateus, capítulo 5, versículos 43-48, não deixa dúvida sobre isso:

 

43 Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. 44 Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. 45 Deste modo, sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.

46 Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos? 47 Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos? 48 Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.

Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?

E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão.

 

Vemos, pois, que amar não é uma opção, mas um mandamento. Quem deseja servir a Jesus deve aprender a amar a todos, indistintamente.

 

Aliás, noutro texto também localizado no livro de Mateus, desta feita no capítulo 25, versículos 34-40, podemos ver Jesus afirmando seu cuidado com os presidiários

 

34 Então, dirá o Rei a todos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, abençoados de meu Pai! Recebei como herança o Reino, o qual vos foi preparado desde a fundação do mundo. 35 Pois tive fome, e me destes de comer, tive sede, e me destes de beber; fui estrangeiro, e vós me acolhestes. 36 Quando necessitei de roupas, vós me vestistes; estive enfermo, e vós me cuidastes; estive preso, e fostes visitar-me. 37 Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? 38 Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos? 39 Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te? 40 E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.     (g.n)

               

Vê-se, pois, que por mais difícil que possa parecer, é imperativo bíblico que amemos os presos. Jesus sabia que não seria fácil, por isso nos deu seu Espirito Santo, a quem devemos rogar forças para decidir cuidar dessas pessoas que andam vagueando “como ovelhas sem pastor”.

 

E é certo que, ao fazermos isso, estaremos não apenas cumprindo um mandamento bíblico, mas também testemunhando do verdadeiro amor de Cristo que transforma qualquer coração e, ainda, contribuindo para que nossa sociedade seja a cada dia mais justa e igualitária.

 

Que Deus nos ajude nessa tarefa tão difícil de viver o evangelho verdadeiro de Jesus de Nazaré, o Cordeiro que tira o pecado do mundo!

 

 

 

Vagner Antônio de Souza é Advogado e Procurador Municipal de Cachoeiro de Itapemirim

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