Por Larissa Vargas
A última prova do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), aplicada no dia 25 de novembro de 2018 aos alunos de Direito, teve como tema de uma de suas questões discursivas o direito ao esquecimento. O Superior Tribunal de Justiça divulgou recente informativo (Informativo nº 628/2018) cuja discussão teve por fundamento a proteção ao chamado direito ao esquecimento. A Corte de Justiça da União Europeia, que já teve decisões emblemáticas acerca desse tema, voltou a discutir esse direito em setembro do presente ano. Afinal, do que estamos falando?
A primeira menção registrada ao direito ao esquecimento remonta ao ano de 1970, quando o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (TCF) viu-se diante de um caso surgido no contexto do assassinato de quatro soldados alemães. Uma emissora de televisão alemã pretendia reproduzir os homicídios cometidos na mesma época em que um dos autores do crime estava à beira de receber o livramento condicional.
Um dos réus, preocupado com a repercussão que a divulgação de detalhes do seu envolvimento no crime teria em sua contemporânea liberdade, requereu o impedimento da vinculação da referida reportagem. À parte das discussões acerca da liberdade de expressão e imprensa ou à ressocialização pretendida pelo cárcere (às quais não se atém a presente análise), esse caso, conhecido como “Lebach”, foi paradigmático, pois demonstrou a importância – reconhecida pelo Tribunal Alemão – do então chamado direito ao esquecimento.
Pode-se entender como direito ao esquecimento o direito do indivíduo de não ser forçado a manter recordações de fatos ocorridos no passado a cuja divulgação se oponha por motivos justificáveis. Não se pode negar, por outro lado, que em tempos em que as memórias podem ser facilmente registradas, armazenadas e relembradas, ser esquecido é um desafio.
O reconhecimento do direito ao esquecimento sempre precisará ser sopesado com outros princípios e interesses. Para tanto, mostra-se importante levantar critérios que sirvam de filtro ao reconhecimento ou não do referido direito no caso concreto. Os Tribunais brasileiros já vêm se deparando com alguns casos em que tal direito foi suscitado e já têm desenvolvido alguns critérios importantes para a solução dessa questão.
Há um caso importante que levou a discussão ao Supremo Tribunal Federal, a partir do Recurso Extraordinário 1.335.153-RJ, conhecido como caso Ainda Curi. Aida foi vítima de homicídio cometido no Rio de Janeiro em 1958. Cinquenta anos após a morte de Aída Jacob Curi (ocorrida em dia 14 de julho de 1958, no bairro Copacabana – Rio de Janeiro – R.J.), o programa Linha Direta tratou do caso envolvendo seu homicídio. Insatisfeitos, os irmãos da vítima ajuizaram ação em face da emissora TV Globo Ltda. com o objetivo de obter reparação por danos morais supostamente sofridos. O Recurso Extraordinário é de relatoria do Ministro Dias Toffoli, já contou com a participação de alguns especialistas na área, convocados para audiência pública, mas ainda não foi julgado.
Dentre alguns critérios já levantados pela jurisprudência brasileira, que deverão servir de parâmetro ao julgador para analisar a necessidade de retirar de circulação dados sobre determinada pessoa ou fato, destacam-se o interesse público do fato narrado, sua relevância histórica, o lapso temporal entre o fato cuja memória se pretende apagar e a data do pleito e a veracidade ou não da informação.
Larissa de Lima Vargas Souza é Advogada, Mestre em Direito Civil pela UERJ, Professora de Direito Civil.