Por Larissa Vargas
Em 2015 a história de uma família composta por pai, mãe e sete filhos criados e educados dentro de casa veio ao público norte-americano a partir do documentário intitulado The Wolfpack, que estreou no Sundance Festival, evento destinado ao cinema independente. Seis rapazes e uma moça permaneceram por cerca de 10 (dez) anos no mesmo edifício de Manhattan (New York), com o mesmo ambiente estudantil, os mesmos colegas de classe, a mesma professora: Susanne, mãe dos sete alunos que, por longo período de tempo, sequer saíam de casa e precisavam contentar-se em trocar a realidade da vida afora pela ficção demonstrada a partir das telas da televisão que exibia filmes por eles conhecidos de cor, como revelou o documentário.
Mujunda Ângulo, um dos filhos, chegou a afirmar que seu pai – Oscar Ângulo - seria o patrão, o dono da terra, o único a ter a chave de casa, e os filhos os peões – ou melhor, ele se corrige: o carcereiro e os presidiários. Ele e seus irmãos saíam de casa desde que acompanhados dos pais, poucas vezes por ano. Govinda Ângulo, o filho mais velho, revelou que houve anos, inclusive, em que não saíram nem uma vez de casa.
Sob o argumento de que seus filhos não poderiam ser contaminados pelo mundo moderno, Oscar e Susanne Ângulo depositaram suas expectativas no ensino domiciliar anos a fio. Outras histórias de homeschooling podem ser identificadas em outros países, inclusive no Brasil, cujo debate ganhou novos contornos a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 888815/RS pelo Supremo Tribunal Federal – STF em setembro do último ano.
Os pais de uma menina de 11 anos impetraram um mandado de segurança contra ato da Secretária de Educação do município de Canela (RS), que negou pedido para que a criança fosse educada em casa e orientou-os a fazer matrícula na rede regular de ensino, onde até então havia estudado. O mandado de segurança foi negado tanto em primeira instância quanto no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A corte gaúcha pautou-se no argumento de ausência de previsão legal de ensino na modalidade domiciliar.
O homeschooling consiste na prática por meio da qual os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente assumem a obrigação pela sua escolarização formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino. Com efeito, em vez de a criança ou adolescente estudarem em uma escola, estudarão em sua própria casa, sendo os ensinamentos ministrados pelos pais ou por pessoas por eles escolhidas.
Ao lado da desescolarização radical, desescolarização moderada e ensino domiciliar puro, o homeschooling é umas das quatro principais espécies de ensino domiciliar, tendo por peculiaridade e traço distintivo quanto às demais modalidades o fato de a criança ou adolescente estudarem em casa as matérias que os demais alunos estudam na escola. O homeschooling não se confunde como o unschooling (ou “desescolarização”), pois este diz respeito à escolha feita pelos pais no sentido de que o filho não deve receber qualquer tipo de escolarização a fim de permitir que ele decida, no futuro, o próprio destino estudantil.
As principais questões levantadas quando da apreciação pelo STF foram então, i) a análise da compatibilidade do homeschooling com a Constituição Federal; ii) a necessidade de lei específica para que esse método de ensino domiciliar seja permitido no Brasil.
Destaca-se que um dos principais pontos de discussão dizia respeito ao enquadramento do ensino escolar como apenas um direito dos filhos perante o Estado ou como também um dever dos pais em relação aos seus filhos. Diversos fundamentos normativos foram apontados para esclarecer essa dúvida, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), a Declaração Universal dos Direitos Humanos e Portarias Normativas do Ministério da Educação.
O julgamento foi concluído no dia 12 de setembro de 2018 e por seis votos a quatro o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o ensino domiciliar não está previsto na Constituição Federal e depende de lei específica para ser permitido no Brasil. Venceu a tese do ministro Alexandre de Moraes, de que o homeschooling pode existir no Brasil se for autorizado por lei.
De fato, a ainda polêmica discussão acerta do homeschooline não está encerrada. O ensino domiciliar é tema de quatro projetos de lei: dois da Câmara dos Deputados e dois do Senado Federal. Os mais recentes são os de nº 490, de , 2017, e 28, de 2018, que objetivam, respectivamente, prever a modalidade da educação domiciliar no âmbito da educação básica e impedir a criminalização do homeschooling.
Larissa de Lima Vargas Souza é Advogada, Mestre em Direito Civil pela UERJ, Professora de Direito Civil.