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“Uma andorinha só não faz verão”: Quando as estações são Incertas

Por Larissa Vargas

 

 

Os tempos atuais são incertos e instáveis. Os do porvir, então, absolutamente imprevisíveis. Nossa geração vive um contexto inédito a partir de uma pandemia mundial e seus efeitos. Afeta-se a saúde dos infectados pelo COVID-19 e também a daqueles que têm diversas outras doenças e ficam à mercê de um sistema de saúde na prática ainda insuficiente. Afetam-se os que perdem emprego, fontes de renda e estabilidade. Afetam-se os que visualizavam planos cuja concretização escorre pelas mãos na medida da profusão de uma pandemia provocada por um vírus invisível.

 

Afeta-se também a educação em todas as suas esferas, parte com aulas inviáveis neste tempo e parte com adaptações abruptas que têm exigido muitas inovações em pouco tempo. Sou professora de ensino superior e tenho passado por algumas delas. Demonstro minha solidariedade aos já atingidos seriamente pela atual pandemia e os peço licença para compartilhar uma visão otimista em meio ao caos. Não uma visão generalizada da educação, infelizmente. Muitos seguem sem a possibilidade de ter acesso às aulas, ainda paralisadas. Porém, em alguns setores as aulas seguem acontecendo, mesmo apesar dos muitos reveses, graças à união das andorinhas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem.

 

O ditado popular “uma andorinha só não faz verão” tem em sua origem um sentido diverso do que apreendemos hoje. Sua primeira menção é atribuída a Aristóteles, para quem “uma andorinha só não faz primavera”. A diferença já se nota pela estação de que falava o autor em seu livro “Ética à Nicômaco” (a propósito, sempre recomendado por mim aos meus alunos do curso de Direito). Desde já, um dado interessante: na constante busca por calor, as andorinhas sempre voam juntas em grupos que podem chegar a até duzentas mil aves. Uma das interpretações se explica pelo fato de que a junção de muitas andorinhas de uma região para a outra indicava a mudança de estação, representada pelo filósofo grego a partir da primavera. Por outro lado, ao visualizar uma única andorinha no céu não se poderia ter certeza da virada da estação. Por exemplo, aponta-se que em outubro, quando o frio começa a chegar à América do Norte, as andorinhas percorrem cerca de oito mil quilômetros até chegarem à América do Sul, de onde voltam em abril. Prossigamos ao sentido atual do ditado.

 

Dizer que uma andorinha só não faz verão, hoje, reforça a expressividade de ações conjuntas e, por outro lado, informa quão difícil é que uma ação isolada tenha sucesso nos efeitos a que se propõe. Com as devidas ressalvas a esta última afirmação (uma ação isolada pode, sim, ser absolutamente relevante), tenho notado a força colossal do engajamento conjunto de professores e alunos neste tempo tão desafiador. De repente, dormimos professores com aulas presenciais e acordamos professores de aulas remotas. De um dia para o outro, deixamos o quadro, o datashow e as reflexões conjuntas em sala de aula para aprendermos a lidar com novas ferramentas de ensino, como grupos de WhatsApp de alunos, Google Class Room, Skype, Youtube, Zoom, Google Meet, dentre outros meios inusitados. Fomos todos, professores e alunos, surpreendidos e desafiados ao novo.

 

No meio de tantas novidades, sempre acompanhadas de tentativas seguidas de erros, erros seguidos de ajustes e ajustes seguidos de acertos, vimo-nos unidos nessa missão de ensinar e aprender sem estarmos presentes fisicamente. E não é fácil. Mesmo assim, sejamos otimistas e saibamos reconhecer que este período tem despertado em nós sentimentos e ações de solidariedade, alteridade e reconhecimento do outro em suas necessidades. Não, não falo de quando estocamos álcool em gel e máscaras sem pensar no coletivo. Também não estou falando de quando os preços destes produtos aumentaram absurdamente por uma lógica de mercado perversa. Falo de quando temos sido solidários dando auxílio financeiro aos que perderam seus empregos, de quando compramos produtos de estabelecimentos menos vultosos, de quando promovemos eventos virtuais de apoio espiritual e psicológicos a tantos que necessitam neste tempo e de quando auxiliamos nossos idosos, mais vulneráveis à doença, sem que mesmo possamos neles tocar.

 

Gestos de solidariedade se dissipam na mesma proporção que a doença e esta curiosa contradição surge em bom tempo. Ao nos vermos igualmente fragilizados por uma pandemia que do Oriente ao Ocidente atinge homens e mulheres, idosos e crianças, ricos e pobres, eruditos e analfabetos, percebemos que ninguém é uma ilha e que a união sempre foi melhor que a disputa, sobretudo em momentos de dificuldade.

 

Na educação, o que percebo no contexto em que estou inserida são professores que muito sabem de tecnologia com pronta aptidão a auxiliar seus companheiros de profissão. Vejo professores que pouco sabem de tecnologia em um esforço admirável para aprender novas ferramentas. Vejo profissionais da educação se empenhando para estabelecerem soluções conjuntamente estabelecidas e implementadas. Vejo, também, alunos comprometidos em continuarem estudando em condições inéditas. Vejo alunos se ajudando mutuamente para que ninguém fique sem acesso aos materiais necessários. Vejo professores ajudando alunos e alunos ajudando professores. E nessa junção de andorinhas comprometidas seguimos tentando fazer o verão, o outono, o inverno e a primavera. Em verdade, não sabemos as estações do porvir e não é fácil lidar com isso. Mesmo assim, seguimos firmes no propósito de passarmos por elas juntos e mutuamente comprometidos.

 

 

 

 

 

Larissa de Lima Vargas Souza é Advogada, Mestre em Direito Civil pela UERJ, Professora de Direito Civil.

 

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