Por Vera Lúcia
Senti-me atraída pelo tema dessa publicação e logo após fazer sua leitura, senti-me estimulada a compartilhar com educadores, pais, cuidadores e todos que de uma forma ou de outra tem acesso a essas preciosidades de nossa vida: nossas crianças. Nairzinha, pesquisadora da cultura da brincadeira Brasileira, nos direciona com reflexões e orientações na direção de uma atitude educativa que promova a saúde de indivíduos que tenham tido a oportunidade de desfrutar de uma infância saudável e conseqüentemente um amadurecimento motivado por atitudes simples que precisamos ter com nossos pequeninos. Um ser que tem que ter seu tempo de crescer normal, para existir completo.
Inicia o texto nos instigando a responder um questionamento:
Ser criança no terceiro milênio será fácil e prazeroso, ou um desafio aos nossos pequeninos? O que acontece com eles quando a sociedade investe num amadurecimento precoce e exigente, impondo um modelo de pequeno adulto a ser seguido? O que tem de diferente a criança do terceiro milênio? O acesso à internet, a violência, transplantes e seqüestros, balas perdidas, terrorismo, está mudando a natureza infantil? Até que ponto o amigo virtual, a forma de brincar interagindo com a máquina, o vídeo game e sua ética de adquirir novas vidas todas as vezes que vence ou mata o adversário, o hábito de comprar brinquedos e não construí-los e usar muito mais os dedos que as pernas, a brincadeira sedentária e solitária, a presença da realidade substituindo a fantasia, roupas de adulto, salto alto, batons e o namoro precoce, sobretudo a sobrecarga de responsabilidade, horários e compromissos está mudando a identidade infantil? Mudaram as crianças ou mudamos nós?
No contato com crianças percebo que elas não mudaram. Tem um olhar encantador de manhãs douradas, tem mãos inquietas como as do criador, têm sorrisos abertos e doces como a brisa da tarde. Ganham tempo olhando formigas, sentindo a terra e provando o orvalho sempre que incentivadas. Mudamos nós, que deixamos de falar de estrelas, sacis e cucas, que esquecemos de olhar o céu, de ver o manto estrelado da noite, de pensar nas cores dos peixinhos do mar, nos brilhos dos raios do sol, nas cores do arco íris. De cantar e contar histórias. Ficamos estáticos, deixamos de voar nas asas das borboletas e dos pirilampos. Trocamos a leveza dos sonhos e da fantasia pelo peso de uma realidade que cai sobre nossos ombros e nos paralisa de tanto cansaço. A nossa verdade ficou dura e a nossa realidade cinzenta. Mudamos nós que apressamos a vida, que contabilizamos sorrisos, olhares, palavras e dinheiro, que fazemos das crianças seres como nós, que impomos etapas queimadas, que lhes impingimos agendas cheias de horários estressados, roubando deles o tempo e o espaço de ser criança, a ternura e a descomplicação de um ser que tem que ter seu tempo de crescer normal, para existir completo. Mudamos nós, quando nos conformamos com o que foi feito das nossas crianças. Pequenos adultos com gastrite e colesterol, presos em apartamentos, longe do sol, expostos a solidão dos brinquedos eletrônicos. Aprendendo a vencer pra não ser vencido, a matar para não ser morto, a confundir a vida real com a virtual. Mudamos nós quando apressamos a simplicidade de uma brincadeira que favorece a intimidade e o toque, que aproxima mãos, olhares e corações, trocamos o pirulito que bate bate, a lagarta pintada a pintalaínha, a brincadeira que investe na descoberta do outro na parceria na troca de informação e cooperação, pela facilidade dos telespectadores. Brinco com crianças. Aprendi com elas que benéfico é sempre o equilíbrio.
Que elas tenham acesso a toda modernidade, mas também sejam garantidas horas livres, companheiros, espaços de vida ao ar livre, a oportunidade de inventar e criar seus próprios brinquedos, de conviverem entre si e inter classes, para aprenderem a respeitar o conhecimento alheio, valorizar a troca de saberes e desenvolverem uma convivência democrática e participativa na sociedade que tem na sua cultura da brincadeira, a identidade da infância brasileira.
Vera Lúcia Pereira Dias é Educadora, Socióloga, Consultora Educacional, atuando no processo de revitalização das Instituições Educacionais, em Processos
Estratégicos de Gestão e Políticas Sociais e Educacionais.