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Por Que Reformar a Previdência Social?

Por Cássia Bertassone

 

 

Eleito o novo Presidente da República, retorna a pauta o tema Reforma da Previdência. O tema havia sido descartado temporariamente devido intervenção no Rio de Janeiro e as eleições presidenciais, mas agora, conhecendo o novo presidente temos a noção do que esperar neste campo. Fazendo apenas a análise jurídica do assunto, vamos tentar responder: é realmente necessário reformar a previdência social?

 

Todo sistema jurídico deve, de tempos em tempos, ser reformado e reestruturado. O homem e a sociedade estão em constante modificação, motivo pelo qual, a legislação como mecanismo de regulamentação da vida em sociedade deve estar atenta a estas modificações a fim de atender os anseios e necessidades da sociedade. Portanto, é natural que haja reforma dos sistemas jurídicos. Mas, e o nosso sistema jurídico previdenciário, necessita ser reformulado?

 

Sim, cremos que sim. O sistema atual tende a se tornar deficitário, se já não o é. O aumento da expectativa de vida do brasileiro, atrelado a redução da taxa de natalidade, bem como a crescente crise econômica, aumento da taxa de desemprego e da informalidade, são fatores cruciais para manutenção de um sistema estável de previdência social.

 

Além disso, o sistema atual tende também a ser injusto com aqueles que estão acima da faixa de um salário mínimo. A legislação atual determina que o benefício seja calculado sobre a média das 80% maiores contribuições de todo o período contributivo. Contudo, limita este período a julho de 1994 até a data da aposentadoria. Faz incidir, na maioria dos casos, o fator previdenciário, que reduz em cerca de 30% o valor do benefício. Anualmente atualiza o valor dos benefícios por índices que não acompanham a atualização do salário mínimo, o que resulta, ao final, em um achatamento gradual dos benefícios previdenciários.

 

Assim, os problemas são muitos, e o grande dilema é como resolver os problemas da previdência e ainda assim garantir a manutenção de todos os direitos sociais.

 

Em uma visão pessoal, creio que a reforma que se faz necessária é muito maior do que apenas aumentar a idade mínima, modificar o tempo de contribuição, excluir fator previdenciário, ou, manter ou não, aposentadorias especiais para áreas insalubres ou professores. Essas modificações tendem a ser superficiais e rapidamente estarão defasadas, como as regras atuais já se mostram. Não atingem o cerne do problema, que é o próprio sistema como um todo.

 

Por isso, creio que o termo “reforma”, nem é o mais apropriado. Quando estamos falando em reformar, significa melhorar algo que já existe, motivo pelo qual não alteramos a base ou o alicerce, mas trabalhamos sobre estes e em virtude deles. O ideal, e se o objetivo é modificar toda a base estrutural, seria tratarmos como “criar” uma nova Previdência Social. Explicando melhor:

 

Deixando de lado a questão de déficit da previdência, que abrange muito mais uma questão econômica do que uma questão jurídica, percebam que hoje o nosso sistema previdenciário é fundado em um sistema de repartição simples. Isso significa que o sistema de previdência não possui reservas financeiras. Basicamente, tudo o que entra nos cofres da previdência mediante contribuições é revertido em pagamento de benefícios. É por isso que se fala que os ativos pagam os benefícios dos inativos.

 

Em outra vertente encontramos o sistema de capitalização onde o trabalhador efetua aportes para garantir o seu próprio benefício futuro. Neste sistema a contribuição não seria imediatamente revertida aos inativos, ela seria guardada, capitalizada, para remunerar o trabalhador no momento adequado, similar ao que acontece nas previdências privadas. Este sistema é o defendido pelo governo eleito no último dia 28.

 

E o que tem de bom em um sistema de capitalização? Ele protege contra mudanças demográficas, como cada um fará sua própria “poupança” mediante os aportes das contribuições, uma inversão da pirâmide etária não influenciaria no sistema. Outra vantagem do sistema de capitalização é que ele aumenta a poupança de um país. Veja, a partir do momento em que o dinheiro é arrecadado para a aposentadoria, ele pode ser investido pelo gestor dos recursos — seja ele público ou privado. A característica da poupança para aposentadoria é o investimento para o longo prazo. Assim, esse dinheiro poderia ser aplicado em vários tipos de projetos, sendo um incentivo para o desenvolvimento da economia do país.

 

E os problemas? Bem, por outro lado, além do problema da transição (que sempre é difícil, pois há direitos garantidos e direitos expectados que devem ser preservados), pode haver uma dificuldade para os mais pobres. Em um mercado sem estabilidade de emprego, principalmente entre as pessoas pouco qualificadas, o risco é que o trabalhador não consiga acumular uma quantia suficiente para bancar sua aposentadoria ao final da vida contributiva. Nesse caso, ou o Estado deixa esse trabalhador apenas com que poupou (insuficiente) – o que acontece hoje no Chile; ou lhe garante um mínimo e continua deficitário em relação a ele.

 

Como os dois sistemas (repartição simples – atual; e capitalização – pretendido) são diametralmente opostos, e uma mudança radical, embora necessária, acarretará, a curto e médio prazo, mais prejuízos do que resultados, acreditamos que o ideal, tal como já defendem alguns juristas previdenciários, seria um sistema híbrido de previdência, pelo menos, neste primeiro período de transição.

 

Em um sistema híbrido, manteríamos o financiamento da Previdência mediante contribuições também do Estado e das empresas, tal como hoje já ocorre, apenas para garantir o valor de um salário mínimo para os trabalhadores que ao final da vida contributiva não conseguiram fazer aportes suficientes, fazendo-se a complementação do que até então arrecadou para o mínimo vigente a época do benefício.

 

Isto porque, a atual Constituição Federal não permite que nenhum benefício que substitua o salário do trabalhador seja pago em valor inferior a um salário mínimo (art. 201, §2º da Constituição Federal). Entendo este direito como garantia fundamental, chamada de clausula pétrea, o que significa que nem mesmo emenda constitucional poderia alterar este dispositivo. Sendo assim, parece inviável que a experiência do Chile, possa acontecer sob a exige de nossa Carta Maior.

 

Tendo em vista que o pagamento estatal no benefício previdenciário seria apenas em caso de complementação, o valor das contribuições previdenciárias das empresas e do ente público, que seriam em virtude do princípio da solidariedade, poderia ser reduzida, o que implicaria em uma redução da carga tributária, agradando também os empresários e ao próprio mercado.

 

Em longo prazo, em uma economia estável, com geração de empregos e crescente aumento da renda a atuação estatal poderia ser diminuía e excluída, nascendo a previdência sob o sistema de capitalização em sua máxima atuação.

 

O grande desafio, talvez seja a transição entre os dois sistemas de previdência, pois não se poderia, agora, descartar a necessidade de análise econômica, para manutenção eficiente dos dois sistemas ao mesmo tempo em que não se reduz garantias sociais conquistadas.

 

A ideia da capitalização é criar um sistema previdenciário que nasce sem deficit. Nele, os trabalhadores estarão poupando para pagar sua própria aposentadoria no futuro. A questão é que os aposentados de hoje continuam existindo e precisando de financiamento. O que o regime de capitalização faz, no primeiro momento, é apenas retirar receitas do sistema. Ou seja, uma vez implantado, o regime de capitalização vai diminuir o número de contribuintes com o atual sistema, e o número de beneficiários do atual sistema vai continuar igual (na verdade, aumentando a cada ano até se aposentarem os primeiros do novo regime).

 

Por isso, o grande debate não é se vai reformar a previdência ou criar um novo modelo, mas sim “como” ele vai acontecer. São as regras de transição que merecem nossa atenção. E estas, infelizmente ainda não estão disponíveis para serem avaliadas e contrastadas com a nossa Carta Magna. Nossa principal preocupação é com a garantia dos direitos já adquiridos e de como uma implementação do novo modelo pode afetar o sistema até então mantido.

 


 

 

 

Cássia Bertassone da Silva é advogada, sócia fundadora do escritório Bertassone Advogados, Pós-graduada em Direito Previdenciário, Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, membro da Comissão de Direitos Sociais da OAB – Subseção Cachoeiro de Itapemirim.

 

 

 

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